quinta-feira, 30 de setembro de 2010

Versos não são...




Fatima Dannemann

Não,
Não me cobre
uma série de poemas
como se estivesse numa linha de montagem.
Não sou dessas que escrevem
versos em série,
como produtos industrializados.

Versos não são modelitos de griffe
que saem do croqui direto
para a tecelagem.

Mas,
Nunca disse que sou poeta.
Não sou poeta.
Faço versos apenas quando sinto vontade.
Mesmo porque...

...versos não são pizza,
que estouram nos pratos em rodízio,
as vezes com bordas recheadas.

Não acredito
em poetas profissionais,
desses que escrevem dezenas
de poemas numa sentada.
Poesia não é produto de linha de montagem.

Versos não são carros do ano.
Nem saem em fornadas e fornadas
como se fosse pão francês.

E, além disso,
mesmo que versos fossem
mais um produto da industria do consumo,
meu padrão de qualidade
é severo demais
para desperdiçar palavras
em versos pré-fabricados.

E versos não são telhas.
Não saem de olarias.
Nem de fábricas de pré-moldados.

Versos são apenas versos.
Produtos da alma.
Frutos do momento.
Apenas isso.

Efemeridades (*)

Fatima Dannemann

Um dia talvez tudo passe
As doenças se curem
as feridas cicatrizem
as tristezas se transformem em alegrias
Um dia talvez tudo acabe
e o que hoje faz sofrer
se transforme em apenas uma lembrança vaga
Um dia, quem sabe, tudo passe
e quem se afastou retorne
com flores e presentes
e o que hoje perturba e tire o sono
vire fumaça.
Um dia, talvez...
Quem sabe...
E dizem que tudo passa.

(*) assim mesmo efemeridades de efemero...

Luzes do Dia

Fatima Dannemann

Uma réstia de luz
corta o escuro da noite.
Não, não são faróis teimosos
de carros notívagos,
nem bêbados trôpegos
tomando a saideira.
É o sol que chega de mansino.
A manhã se anuncia.
O amanhã que vem chegando
prenuncia o futuro.
que se torna o agora.
É o fim de eras tristes
e o começo da alegria...
A luz cresce aos poucos.
O sol joga seus raios no mar
e desvirgina a escuridão da noite.
Tristes estrelas
vão dormir cansadas
de brilhar de mansinho,
de mandar sua luz,
tímida e pálida
diante da exuberância
da lua fria.
A luz do sol cobre o mar de prata,
e chegam os primeiros
a buscar o ouro da areia da praia
nas primeiras horas do novo dia.
Já não se ouvem gritos.
Vampiros se desfazem em cinzas.
Os pesadelos se transformam
nas faiscantes luzes
do futuro que teima em brilhar ali adiante.
Vem o novo dia.
Matam-se os monstros.
Desfazem os nós da teia da noite,
Dia...
Se chover, é o céu que abençoa o solo
e fertiliza a terra.
Virão bons frutos.
Se o vento bater forte,

Sobre a chuva antes do verão e as musicas de minha lembrança

Fatima Dannemann

Chove
Em pleno novembro
quase verão
e chove
e eu ouço alguem
cantando em francês
uma musica que fala da Lua
e eu ouço uma musica
sobre a lua
em plena luz do dia...
Chove
e eu leio o jornal
procurando noticias
sobre o jogo do Bahia.
Raios de sol cortam
os pingos de chuva
raios de sol iluminam
nuvens
e é quase dezembro
mas não tem sol
na capital do verão
e eu ouço uma musica em frances
que fala sobre a vida
mas não é a c´est la vie
da minha adolescencia
de rock progressivo
e não é a mesma vida
de minha adolescencia
quase punk
é apenas um dia como outro dia
de céu sem sol
num quase dezembro
num quase verão
que chove
e eu sinto o cheiro da terra molhada
entre motores de carros que correm
e choro
e peço a algum deus que me dê noticias
e já não ouço ninguem cantando em frances
os rocks progressivos ficaram pra trás
junto com os eclipses ocultos e revelados
entre blues do djavan e do BB King
e eu estou triste e escrevo uma poesia
e fico alegre e escrevo uma poesia
e fico zen e leio uns versos
Thich nah hahn faz as cabeças
dos alunos da aula de yoga
e eu medito no vazio
no oco da toca de um bebê descerebrado:
filhos que as mães não querem ter...
e ouço Djavan cantando enquanto chove
se acontecer...
se acontecer...
e é preciso fazer nunca esperar
nunca torcer a não ser pelo meu time...
e eu fico triste e escrevo uma poesia
e fico alegre e rabisco certos versos
palavras inteiras, frases, sentimentos transmutados
e me permito ter saudade de tempos remotos
e me permito chorar por chuvas escoadas
por leite derramado...
e pego a mochila de lembranças
e sigo na estrada da vida
numa trilha sonora
de rocks saudosistas...

Poema de uma noite de verão

Fatima Dannemann

Lua...
Brisa quente...
Mar tranquilo
Salta uma cerveja gelada com urgencia
e eu penso na vida
olho para o horizonte e penso:
o que será que existe alem do arco-iris
(e isso já deu música
como o titulo desse poema é
propositadamente inspirado
numa peça antiga).
Lua cheia...
ah, lua cheia...
bom de apenas sentar no gramado
olhar pro céu e contemplar as estrelas.
mas eu quero mais que isso
e ando por ai de carro
o que já é suficientemente perigoso,
e eu não corro o risco de tropeçar
nas calçadas esburacadas
que a prefeitura nunca manda consertar...
(e isso não é nada poético
mas faz de conta que a vida
cometeu operação ilegal,
será fechada
e precisa ser reiniciada logo a seguir)
E eu lembro
que o garçom me (des)atendeu
não trouxe minha cerveja
e aliás eu prefiro uma vodka
- me traz uma roska de qualquer fruta
estamos conversados
e ninguem fala mais nisso...
Lua cheia, lua nova,
nem sei qual a fase da lua.
Noite de esbá, noite de cantar para a deusa
noite de dançar em ritual secreto
e eu ouço Nusrat cantando um cântico sufi
lembro das vitimas das intempéries na Asia
lembro das vitimas de todas as intemperies
e rezo pelas vítimas da eterna seca
que só vêem a cor de uma água:
o marrom da terra sem plantas
e sem comida...
(mas isso já deu filme
e não se fala mais nisso)
Lua,
eu ouço Nusrat
e penso no dia...
Surya, o sol que me traz seus raios todas as manhãs...
Abençoe minha noite
abençoe todas as noites
sagradas e profanas.
(e este é apenas um poema
escrito numa noite de verão)

quinta-feira, 16 de setembro de 2010

Desenhos

Fatima Dannemann


Desenho uma lua cheia
Numa meia lua
Traço uma reta
e meu desenho
é um arco e flecha.
Um telhado de uma casa
vira a seta do cupido
acertando um coração
que vou riscando
ao traças linhas tortas
Saio rabiscando
e crio um caracol
no que era para ser
uma espiral de caderno.
Minha página
está toda rabiscada
e colorida.
Lua
coração
seta de cupido
caracol
espirais...
Linhas tortas
onde deveria haver
a simetria das retas
e a harmonia das formas

PEDAÇOS DE LETRA

Fatima Dannemann

Contemplo a noite
sem estrelas
a procura de versos
Encontro sombras
que escrevem
palavras partidas
e chamam de poesia
E quando pedaços de letra
precisarei escrever
até formar frases completas
que traduzam o que sinto?

Não sou poeta, nem deusa
apenas andarilha
pela vida
no claro e no escuro
entre nuvens e sol
entre lua e estrela.
Na esquina mais próxima
uma falsa boneca vestida de careta
se transforma em fantasma
mas não me assombra.
E ela parte frases
dizendo que são versos
e ela escreve coisas sem sentido
e diz que são rabiscos
outros lhe chamam de poeta.
E eu cato verbos.
Coisas aqui e ali.
Junto as palavras
num quebra-cabeça de emoções
e não traduzo o que sinto.

Choro
e quando choro são lágrimas perdidas
que escorrem furtivas
e ninguem nem vê.
A fantasma dos cabelos de milho
ri da minha cara se sentindo vitoriosa,
mas eu não jogo nenhum jogo.
Não sou poeta - eu grito.
Não escrevo quebrado - explico.
Apenas junto palavras
frases aqui, ali...
pedaços de letra...
e quanto terei que escrever
até ouvirem o meu grito?

Oração a Mãe Terra

Fatima Dannemann

Salve, mãe terra,
cheia de graça,
esplendorosa seja vossa beleza,
abençoado seja vosso solo
assim no universo
como no paraíso.
Perdoais vossos filhos desregrados
que dizimam vossas flores e frutos,
que ameaçam vossos animais,
que arruinam vossas riquezas
e nossos alimentos.
Abençoais aos que zelam por vós,
e segui em vossa dança no universo,
agora e sempre,
eternamente.
Vista a camisa da Cultura de Paz.
Substitua Guevara por Gandhi.
e aprenda a querer bem, a mudar, sem ter de matar ou morrer.
(monja Coen, missionaria da religião Soto-Zen)